sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E A BUSCA POR RESULTADOS PERMANENTES

As particularidades de um sujeito são os pontos que lhe dão a capacidade de se diferenciar dos demais. Incentivados a se segregarem, os homens desde os tempos mais antigos vêm no entanto lutando por espaços próprios e independentes. Ao nascer, nasce sozinho, individual, mesmo que a gravidez seja gemelar. Durante a infância e toda a vida, esse pequeno ser de transformações tende a se inserir socialmente, mas sempre guardando suas peculiaridades. No convívio com os pais e com os demais familiares, a criança já imprime suas características próprias, que lhe fazem um ser especial e único.
Nossos pais guardam na lembrança todas histórias infantis de nossos dias de criança. Nossos primeiros gestos independentes, nossas primeiras conquistas, os primeiros saberes vinculados aos ensinamentos que eles nos trouxeram e a formação de nossa autonomia. Assim vão aos poucos nos preparando para o ingresso social. Inicialment com a família, os primos e tios, os avós. Em seguida os vizinhos, os amigos e finalmente nos é chegado o tempo de enfrentar o desconhecido e assustador mundo da escola.
Inumeráveis cenas de pranto nos portões das escolas maternais são vistas a cada ano, num quadro que se repete em grande parte das relações parentais. Da promessa indispensável de volta no final da aula às possíveis ameaças de pancadas, mães e pais se esforçam como podem e sabem para que o início da vida escolar de seus filhos seja o menos traumático possível.
À porta das escolas, professoras – as famosas “tias” – se revestem de dedicação para convencer o pequeno estudante incipiente a ficar em sua desconhecida companhia. E aí já começamos mal. Os pais orientam os filhos a não falarem com estranhos, mas querem convencê-los a ficar com estranhos. Como a criança pode entender o comportamento paradoxal de seus pais nesse momento?
Partamos antes de uma outra questão oportuna: por que razão os pais levam seus filhos para a escola pela primeira vez? Em estudo feito (VASCONCELOS[1], 2002) com 80 mães à porta de uma grande escola, a pergunta foi colocada e a resposta mais comum foi: “Para que ele conviva com outras crianças”.
Ora, se o interesse primeiro dos pais é a socialização de seu filho, o conceito de escola precisa ser revisto no ambiente familiar, a fim de evitar futuras queixas desses mesmos pais. A socialização provoca aprendizagens intensas, mas nem sempre de forma diretiva. As aprendizagens não-diretivas embotam os espíritos menos preparados para a grande construção do conhecimento, inclusive aquele advindo da experiência escolar.
O poder da escola é muito grande no desenvolvimento das potencialidades dos educandos, inclusive nas investidas sociais. O estudo escolar é com freqüência a base da escolha profissional, o que se liga diretamente ao ambiente social no qual está e estará inserido esse aluno em formação. Mas o ensino escolar não forma necessariament a criança para que ela se torne um adulto autônomo, tampouco torna o aluno um profissional. O papel fundamental da escola deve ser o de orientador e de mediador do conhecimento formal, levando sempre em consideração a história de vida do aluno e da comunidade. Esse reconhecimento é a descoberta do papel psicopedagógico da escola, não somente do papel pedagógico ou sociológico.
QUE PSICOPEDAGOGIA PARA QUE INSTITUIÇÃO?
A psicopedagogia não é uma, não é única. A psicopedagogia são relações integradas de situações multi et interdisciplinares. Sendo uma ciência plural, a psicopedagogia trabalha tanto individualmente o sujeito, como seu grupo e sobretudo as relações que esse sujeito estabelece com seu grupo. As relações, entenda-se, de aprendizagem e de saberes múltiplos.
O enfoque da psicopedagogia institucional é a relação de saberes construídos pelo sujeito em seu contato com a instituição em que ele se insere. Assim as relações podem ser negativas ou positivas, tendo em cada eixo respostas favoráveis ou desfavoráveis ao seu desenvolvimento.
Tradicionalmente se pode pensar a psicopedagogia como ciência exclusivamente escolar. O que não constitui uma verdade absoluta. A chegada da psicopedagogia às instituições não escolares pode chocar inicialmente se pensarmos que a aprendizagem só acontece dentro da escola. Por esta razão o enfoque da psicopedagogia é mais amplo. A aprendizagem não se fundamenta em bagagens de conteúdos estupendos, pesados, muitas vezes inúteis aos olhos do aprendente. A verdadeira aprendizagem se constrói quando o sujeito aprendente descobre o prazer de aprender algo de novo, ainda que essa informação não lhe pareça de grande utilidade no decorrer de sua vida.
De acordo com Piaget (1997)
Os três fatores clássicos do desenvolvimento são a hereditariedade, o meio físico e o meio social (...) é evidente que a aprendizagem constitui, entre outros, apenas um dos aspectos do desenvolvimento[2].

O desenvolvimento da criança provém dessa interação. O mau engajamento desses fatores citados por Piaget pode provocar dificuldades incontáveis no processo de desenvolvimento da autonomia do sujeito aprendente. A autonomia (autos – a si mesmo e nomia – lei) é uma construção processual e diária. O sujeito está sempre em busca dessa capacidade de fazer por si mesmo. Devemos entretanto prestar atenção ao fato de que o sujeito autônomo não é independente. Até pelo contrário, a autonomia aproxima-se bastante da dependência do sujeito ao meio.
O sujeito é consciente dessa dependência e da utilidade dela. Sabe que não pode viver sem a natureza, por exemplo, mas entende que pode agir em acordo com o meio e desenvolver habilidades autônomas. Ou seja, a autonomia se aproxima do que Vygotsky chamou ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal. A necessidade que um sujeito tem de ser acompanhado em determinadas atividades até que aprenda a fazê-las sozinho, poré guardando a consciência de que sempre necessitará do outro para se desenvolver. Essa consciência desenvolve no homem a noção de alteridade, de importância reconhecida da interação com o outro, em qualquer que seja o ambiente.
As diversas construções de aprendizagem passam muitas vezes ao largo de todo o fundamento teórico tradicionalmente exposto e cobrado nas escolas. Quantas vezes deixando de lado representações individuais de seus alunos, e que poderiam ser instrumentos facilitadores da aprendizagem dos conteúdos escolares. Nao quero fazer a apologia do ensino nao-diretivo, nem a condenação dos conteúdos formais. Podemos aprender, entretanto, das mais simples às mais complicadas ações e fazer delas um momento de prazer de aprendizagem, sem que para tanto precisemos “testar nossos conhecimentos”. Aluno nao é caderneta de poupança para ter rendimento! Nem é esponja para absorver conhecimentos! Assim como o professor nao é rádio ou televisão para transmitir informações! Aprendemos por onde passamos, a todo instante, em todas as idades.
A psicopedagogia chega então a outros ambientes, distantes dos muros da escola, e vem dar relevância às aquisições diversas. Assim podemos considerar “normal” a presença de um psicopedagogo em comércios, em indústrias, em hospitais, em consultórios, em empresas diversas, no meio da rua em trabalhos sociais, em igrejas, em asilos, enfim, em todos os lugares em que haja pessoas. Cada um à sua maneira, o homem mantém suas relações sociais, familiares, profissionais e pessoais e aprende com elas. Manter-se como Robson Crusoé diminuiria em muito sua capacidade de compreensão do processo de engrandecimento cognitivo.
DO TEXTO AO CONTEXTO: O QUE FAZ O PSICOPEDAGOGO FORA DA ESCOLA?
Pela experiência da prática em sala de aula, os professores sabem que as aptidões intelectuais não são os únicos fatores atuantes no sucesso ou fracasso escolar e que existem efetivamente condições de otimização do quadro em função da natureza do problema. Entre as variantes fora do controle dos professores, como o apoio da família, os fatores afetivos representam um papel fundamental na aprendizagem, sobretudo no que diz respeito à auto-estima.
Todo educador, assim como todo psicopedagogo, deve ter como objetivo diminuir o sofrimento físico e moral de crianças e adultos aprendentes que, por conta de todo um processo de aclimatação social e/ou familiar findam por apresentar problemas e dificuldades ligados aos processos de aprendizagem escolar. Segundo PAIN[3](1981), a educação tem como funções primeiras a manutenção, a socialização e a transformação da criança; mas, ao mesmo tempo, fortalece a repressão que lhe é imposta.
As escolas e seus sitemas de prova são os principais focos de acusação das práticas de repressão sob a égide da educação. Mas até hoje, ninguém conseguiu substituir a antiga prova. Fazem-se avaliações progressivas, mudam-se os processos de cobrança aos alunos, mas o final do mês estampa nos boletins as mesmas e antigas notas azuis e vermelhas. Saber enfrentar as diferenças do sistema educativo como fator muitas vezes decisivo nos resultados escolares das crianças é poder compreender a partir daí a importância da intervenção psicopedagógica nos processo.
Mas e o psicopedagogo que vai para à indústria, para o asilo de velhos, para o hospital, como deve ele proceder? Os mesmos fatores afetivos serão as bases da intervenção psicopedagógica. Quando falo de fatores afetivos, nao me refiro a questões de fórum íntimo do sujeito. Nao é o amor perdido, o fora da namorada ou a briga com a mãe especificamente. Estou me referindo à questão da auto-estima.
A auto-estima se establece sobre três pilares: a auto-confiança, a visão de si mesmo e o amor próprio. Disse-me um aluno certa vez que a auto-estima é “como a gente se vê e se o que a gente vê a gente gosta ou não”.
O amor próprio é talvez o elemento mais importante desses pilares, pois fortalece no indivíduo a afetividade. É o amor próprio que nos conduz à resiliência, explica que podemos resistir à adversidade e nos reconstruir após um desmoronamento pessoal.
A visão de si mesmo é talvez o mais delicado dos três, pois nao se aplica à realidade das coisas, mas à convicção que temos de defeitos e qualidades, potencialidades e limitações.
A auto-confiança é o resultado da junção dos dois outros e se aplica aos nossos atos. Ser confiante é pensar que podemos agir adequadamente com a necessidade. A falta de confiança em si mesmo não prejudica indefinidamente o sujeito. LELORD & ANDRÉ (1998) defendent que o alimento da auto-estima é a junção do sentimento de ser amado ao sentimento de ser capaz.
A psicopedagogia vai observar como anda a auto-estima dos sujeitos inseridos nos diversos ambientes em relação com a função que desempenham nesse ambiente. A intervenção objetivará a criação de condições experimentais bastante próximas das condições escolares para que se faça uma constatação mais próxima da realidade. Para tanto, será necessário desenvolver um espírito advertido para apreciar subjetivamente esta relativa adequação.
Criar um ambiente próximo da escola não implica a formação de uma sala de aula nem exigir resultados permanentes. A educação é dinâmica. A ação interventiva do psicopedagogo ressaltará as aprendizagens múltiplas construídas no contexto do sujeito, o aproveitamento de antigas aquisições e a reestruturação psicológica do sujeito, por intermédio da crença na sua capacidade de aprender sempre.
A psicopedagogia é uma ciência que se preocupa com a aprendizagem do homem. O psicopedagogo deve estar consciente desse infinitude, dessa continuidade constante do processo de aprender. Andar de bicicleta, comer com uma colher, dar laços nos cadarços dos sapatos são ações simples para um adulto, mas que provocam grande alegria nas mamães de crianças de até dois anos. Daí a adequação.
A criança que se hospitaliza vai ver inseridas na sua rotina informações novas. Vai aprender sistemas diferentes e vai conhecer sobre doenças, pelo menos sobre a sua. Vai entender, por exemplo, que determinadas patologias impedem que ela realize movimentos ou ações que lhe eram quotidianas. Vai conhecer mais sobre doenças que qualquer outra criança de sua idade que não esteja passando pelo mesmo problema. O padeiro vai entender mais de proporções que muitos letrados. Dividir a massa, bater, cortar, levar ao forno, são aprendizagens que ele construiu, mas talvez não saiba. O motorista de taxi tem de ter em mente a distribuição espacial da cidade onde faz seu trabalho. Vai precisar fazer cálculos para saber chegar mais rápido a um determinado local. Mas talvez não saiba que aprendeu. O psicopedagogo vai mostrar aos três que isso é aprendizagem.
O psicopedagogo institucional deve estar alerta às possibilidades de construção de conhecimeto que se aprensentem dentro do ambiente em que está inserido seu cliente ou seu grupo de clientes. Mostrar que pequenos atos corriqueiros passaram por complexos processos cognitivos até chegarem a atitudes banais. É o que nos confima a teoria de assimilação – acomodação – equilibração de Jean Piaget. A aprendizagem é um processo contínuo e sem retorno, não existindo des-aprendizagens.
ENFIM...
Ser um psicopedagogo institucional é ser um profissional sensível e atento ao meio em que trabalha. Ser sensível para perceber quanto há de possibilidades de construção de conhecimento e valorização do imenso número de informações que nos circunda. É mostrar que aprender é ser capaz de fazer, é refletir sobre essa capacidade e transformá-la. É sobretudo reconhecer que uma educação emurada não liberta, só oprime.
A verdadeira escola acontece quando o verdadeiro professor encontra o verdadeiro aluno. O verdadeiro professor é aquele que se utiliza de seu conhecimento para facilitar a aquisição do conhecimento de seu aluno. Na escola ou fora dela, aprendemos sempre.
A aprendizagem é vital e inevitável. Aprendemos enquanto estamos vivos, a escola nunca termina. Ou então por que se diria popularmente que a vida é uma escola? A voz do povo é a voz de Deus!
* Sandra Maia Farias Vasconcelos. Professora Adjunta do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, Graduada em Literatura e Arte pela Universidade de Nantes, França, Psicopedagoga, Coordenadora do Projeto Psicopedagogia Hospitalar do Hospital Infantil Albert Sabin, doutora em Ciências da Educação na Universidade de Nantes, França.
Contato: classehospitalar@hotmail.com

[1] A análise dos dados está em andamento.
[2] PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães d’Amorim. 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.(Tit. Orig. Six études de psychologie). p. 89.

[3] PAIN, Sara. Diagnóstico y Tratamiento de los Problemas de Aprendizaje. Buenos Aires: Ed. Nueva Visión. 1981.

Ecole et hôpital : une formation pour l’engagement

Le travail fait dans les hôpitaux auprès des malades ne peut être considéré comme strictement pédagogique, au sens traditionnel, puisque le contact avec les patients implique des actions autres que celles de l’école. L’enfant atteint de cancer aperçoit des défis dans son corps qui quelquefois semble être un autre corps, comme s’il ne se reconnaissait plus.
Arriver auprès d’un enfant hospitalisé, porteur d’une maladie grave dont il ne connaît pas la cause, implique approcher une nouvelle situation. Cela implique un savoir-faire et un savoir dire qui passe outre les objectifs scolaires. Nous sommes au cœur même des propositions de Freinet, entre autres, pour l’Ecole Nouvelle.
Accompagner des enfants malades est une pratique qui bouscule fortement l’accompagnateur et touche sa subjectivité de manière profonde. Quand le « dit » n’est pas bienvenu, le « non-dit » occupe sa place. Dans leurs discours nous avons pu percevoir une constante angoisse vis-à-vis des méthodes d’actions exécutées auprès des enfants. Cette angoisse se manifeste aussi très souvent dans leur vie quotidienne, dans le changement personnel qui s’opère chez les enseignants.
Cela montre bien que la formation se fait aussi intimement que professionnellement pour ces enseignants. Ils se sentent non pas seulement concernés du point de vue de la formation, mais ils sont aussi touchés dans leur vie quotidienne, familiale et personnelle. Les parcours de transferts sont inévitables et les contre-transferts ne sont pas moins présents.
L’accompagnement que nous faisons auprès de ces enseignants prend cette réalité en compte au moment des séances et des réunions périodiques. Il est important de considérer la subjectivité des enseignants afin d’atténuer les effets des réactions qu’ils ont vis-à-vis des enfants malades et les répercussions au niveau personnel, tout ceci en préservant l’aspect affectif en émergence chez eux.